A evolução histórica da Internet no Brasil contém elementos que ajudam a compreender a complexidade das questões relacionadas com a apropriação dos benefícios do progresso técnico. Originária da comunidade acadêmica, a Internet rapidamente se tornou valioso instrumento das entidades civis e posteriormente incorporou-se ao mundo dos negócios no processo de sua expansão.
Contudo, esse desenvolvimento tecnológico repleto de promessas e esperanças se defronta com problemas próprios da economia e da sociedade onde ocorre. O mais visível e polêmico deles denominado exclusão digital. Como tratar desse tema, a partir do ponto de vista de uma sociedade em desenvolvimento? Que soluções institucionais construir para viabilizar um estratégia que possibilite aumentar a autonomia tecnológica? De início, torna-se necessário distinguir autonomia tecnológica da auto-suficiência. Autonomia tecnológica é aqui empregada como sinônimo de autonomia decisória, capacidade de decidir entre opções tecnológicas com conhecimento das suas implicações técnicas, industriais, econômicas, sociais. Enfim, governar-se por si mesmo. Diferente, portanto, de auto-suficiência de bastar-se a si próprio, produzir absolutamente tudo o que necessita. Essa distinção feita, cabe considerar que o advento da Internet veio dar expressão a uma nova fase de desenvolvimento tecnológico, com profundas repercussões nas estratégias de políticas públicas. Nos anos setenta o computador era entendido como um Bem de Produção, um equipamento usado nas empresas e com grande utilidade na produção. Na era do “cérebro eletrônico” os instrumentos de políticas públicas então disponíveis priorizavam o aumento da sua difusão nas empresas e eventual produção/fabricação local. Nos anos oitenta, a expansão do uso dos microcomputadores e conseqüente penetração nos lares em decorrência da revolução microeletrônica, tornou o computador um Bem de Consumo. E passou a requerer instrumentos de políticas próprios a esse segmento. A convergência tecnológica simbolizada na nova relação informática/telecomunicações cresce nos anos noventa e fornece o pano de fundo da expansão das comunicações e formação das novas redes em nosso país.Com o advento da Internet, a tecnologia da informática passa a representar um Bem Cultural e, por conseguinte, passa a demandar políticas próprias que respeitem essa especificidade. E que tipos de relações institucionais construir e desenvolver? Nesse contexto, a democratização da Internet assume seu mais relevante significado. A recente experiência brasileira representa um marco na evolução da Internet em âmbito mundial. Dentre a grande variedade de temas abordados na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, realizada em Genebra em dezembro de 2003, destacou-se a polêmica sobre a Governança da Internet. O caso brasileiro é uma experiência concreta sobre as possibilidades de criação de modelos alternativos que levem em consideração as reais necessidades dos países em desenvolvimento. A opção brasileira pela via da democratização da Internet encontra-se ainda nos seus estágios iniciais. E mudanças importantes já ocorreram. A mais significativa ocorreu na composição do Comitê Gestor da Internet do Brasil. Fato inédito, toda a representação da sociedade civil é constituída por membros eleitos para esse fim por seus pares. E com expressiva participação (11 representantes num total de 20). Representativo e vinculado diretamente às necessidades, urgências e expectativas dos setores organizados, o Comitê terá sua pauta de ação cada vez mais influenciada pela composição resultante desse processo. Que, diga-se, empregou os recursos técnicos da própria Internet para proceder à eleição. Aí estão representados os interesses do terceiro setor, comunidade científica e tecnológica, empresarial, além do governo. Ainda são escassos os estudos e as estatísticas sobre a Internet em nosso país. Estima-se que cerca de 20 milhões pessoas tenham acesso efetivamente a esse recurso como usuárias .A quantidade de hosts- máquinas que operam sob o .br – aproxima-se da marca de 4 milhões de unidades contra 117 mil máquinas em 1998 o que situa o Brasil entre os 9 países com maior participação na Internet no mundo. Contudo a trajetória a percorrer ainda é muito longa. A participação dos que têm acesso em relação ao total da população é extremamente baixa, revelando a necessidade e urgência de projetos arrojados de inclusão digital que não se prendam exclusivamente aos aspectos quantitativos da questão. A ênfase nos aspectos da infra-estrutura não deve sobrepor-se aos qualitativos e relacionados à produção de conteúdo, necessidades educacionais e de preservação da identidade linguística e cultural, por exemplo. É preciso considerar que a disponibilidade de recursos de infra- estrutura é condição necessária mas não suficiente Os melhores caminhos serão definidos mediante uma gestão democrática e participativa que valorize ações concretas e comprometidas com o país.
Arthur Pereira Nunes
Fonte: Arthur Pereira Nunes
sábado, 25 de março de 2006
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