sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

INOVAÇÃO: ONDE A NOVIDADE?

A aprovação da Lei de Inovação introduziu um conjunto de medidas que merecem ser conhecidas e estudadas. Sua entrada em vigência despertou a discussão, em novas bases, de antigas e mal resolvidas questões. As relações entre a academia e o setor produtivo, a apropriação do investimento em pesquisa, as ações no campo público e no particular. O estatal, o público e o privado no campo da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico. Inovação e P&D. A inovação não intensiva em P&D bem como a mensuração de todas dessas atividades são alguns dos assuntos que o tema alimenta.
Mesmo que o fundamental ainda seja a discussão/ definição de qual projeto de desenvolvimento nacional se pretende construir, novos temas estão postos.Os riscos jurídicos da Lei de inovação, os impactos na implantação efetiva daquele instrumento legal nas agências de fomento, nas empresas e na academia fazem parte da nova pauta decorrente da sua adoção.A íntegra da lei pode ser obtida em www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.973.htm

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

ENCONTRO ICANN NO BRASIL

O corre em dezembro em São Paulo o encontro do ICANN NO Hotel Transamérica. Espera-se a participação de cerca de 800 pessoas de diversas partes do mundo. Nessa oportunidade o Comitê Gestor da INTERNET no Brasil divulga importante traballho.
Está disponível a Cartilha de Segurança para INTERNET, que passou a ser editada também em livro.
A Cartilha contém recomendações e dicas sobre como o usuário pode aumentar a sua segurança na rede. O documento apresenta o significado de diversos termos e conceitos utilizados na área e fornece uma série de procedimentos que visam melhorar a segurança de um computador. Além de oferecer um checklist e um útil glossário de termos técnicos. Para mais informações vá em
http://www.cgi.br/

terça-feira, 31 de outubro de 2006

INFORMÁTICA E POLÍTICA TECNOLÓGICA

Como pensar Política Tecnológica ignorando a história? A do Brasil, a das tecnologias e as políticas? Recebo, com razoável freqüência, solicitações de dados e informações sobre a indústria de informática. É comum a constatação de lacunas, em especial nos aspectos referentes aos dados históricos do setor. Entretanto, alguns valiosos trabalhos são pouco conhecidos.Os mais jovens os ignoram completamente.E se surpreendem quando os descobrem.Importantes documentos publicados sobre política de informática resultaram de relatos verbais, depoimentos, testemunhos e poucas teses. O noticiário jornalístico é rico em notícias do dia a dia do setor.Muita publicidade, lobby, marketing e pouca análise independente e crítica.Mas é preciso aprender com a história. Para não repetir os erros e avançar consistentemente nos acertos.

Registraremos aqui depoimentos parciais, porque não serão completos nem exaustivos. Mas úteis àqueles que não desistiram de sonhar.Parciais porque têm como ponto de partida o sonho, o anseio de conquista de autonomia tecnológica e a rejeição à subserviência e à mediocridade do pensamento único.

Começando pelo princípio.Textos já disponíveis na Internet: O Museu d a Computação e Informática http://www.mci.org.br/biblioteca/biblioteca.html divulga os seguintes livros.


Título: Rastro de Cobra http://www.mci.org.br/biblioteca/rastro_de_cobra.pdf
Assunto: 10 anos de fundação da Cobra - Computadores e Sistemas Brasileiros Ltda. (1974 - 1984)
Autora: Silvia Helena
Contato: silviahelena@shedi.com.br
Ano: 1984
Formato: PDF - 2,4MB


Título: Computadores Brasileiros Indústria, Tecnologia e Dependência http://www.mci.org.br/biblioteca/computadores_brasileiros.pdf
Assunto: Escrito como tese de doutorado na Universidade de Sussex, o livro analisa a experiência pioneira brasileira de desenvolvimento de uma indústria nacional de computadores.
Autor: Paulo Bastos Tigre Ano: 1984

Título: Indútria Brasileira de Computadores Assunto: Perspectivas da Indústriahttp://www.mci.org.br/biblioteca/computadores_brasileiros.pdf brasileira de computadores até o início da década de 90.
Autor: Paulo Bastos Tigre
Contato: ptigre@ie.ufrj.br
Ano: 1987

Título: Guerrilha Tecnológica http://www.mci.org.br/biblioteca/guerrilha_tecnologica.pdf
Assunto: Análise da Política Nacional de Informática (Reserva de Mercado)
Autor: Vera Dantas
Ano:1988
vera@inventhar.com.br

Título: O Crime de Prometeu http://www.mci.org.br/biblioteca/o_crime_de_prometeu.pdf
Assunto: Ambiente de pesquisa e desenvolvimento nas indústrias brasileiras de informática.
Autor: Marcos Dantas
Contato: mdantas@inventhar.com.br
Ano: 1989


VER AINDA ESTUDO RECENTE


Título: Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil
Assunto: Pesquisa sobre Sofwtare Livre no Brasil http://golden.softex.br/portal/softexweb/uploadDocuments/pesquisa-swl.pdf
Autor: SOFTEX
Ano:2005
Contato: http://www.softex.br/


E TAMBÉM:

Título:The Microcomputer Industry in Brazil: The Case of a Protected High-Technology Industry

Assunto:Indústria de microcomputadores e proteção

Autor:Eduardo Luzio

Ano:1996

http://doi.contentdirections.com/mr/greenwood.jsp?doi=10.1336/0275949230

Minicomputadores brasileiros nos anos 1970: uma reserva de mercado democrática em meio ao autoritarismo

Brazilian mini-computers in the 1970's: a democratic market reserve during the authoritarian dictatorship
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000200008


Assunto: Avaliação crítica da polítca de reserva de mercado

Autor:Ivan da Costa Marquez

Ano:2003


Reserva de Mercado para Minicomputadoeres Brasileiros e a Experiência da sua Fabricação

http://http//www.ocyt.org.co/esocite/Ponencias_ESOCITEPDF/3BRS022.pdf

Assunto: Um visão dos engenheiros da reserva de mercado

Autor: Maria Fernanda Fernandes e Henrique L Cukierman

Ano: 2005


A Política de Artefatos e a Lei de Informática: o Caso SOX

http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/18906/1/2002_NP10SOARES.pdf

Assunto: Caso SOX, a COBRA e a Lei de Informática

Autor: Gustavo Gindre

Ano: 2002


The Use of Historical Lessons in Studies of Economic Developement

http://http//registration.yourhost.is/nopsa2005/papers/NOPSA%202005-%20Dige.pdf

Assunto: Políticas Nacionais de Informática do Brasil e Índia. Sucessos e fracassos, dependência, autonomia tecnológica. Pensamento neo liberal.

Autor: Jorgen Dige Pedersen

Ano: 2005 ( Dinamarca)
Um artigo muito citado (e pouco lido) de 1986:
Ideological "Guerrillas" and the Quest for Technological Autonomy: Brazil's Domestic Computer Industry
Emanuel Adler
International Organization, Vol. 40, No. 3 (Summer, 1986), pp. 673-705 (article consists of 33 pages)
Published by:
The MIT Press


domingo, 3 de setembro de 2006

PEDÁGIO NA INTERNET?





O Blog do Sérgio Amadeu ( http://samadeu.blogspot.com/) publicou recentemente Manifestação assinada por Lessing e McChesney aqui reproduzida em virtude da sua atualidade. Sérgio por sua vez, ainda que concordando com as preocupações externadas, alerta para o equívoco da alegada neutralidade da Internet. Propõe mais precisamnete o conceito de liberdade dos fluxos e a não interferência nos pacotes transitados sobre a infra-estrutura de telecomunicações. No momento em que aqui se discute como será a operação em banda larga, qual o papel das operadoras no provimento de acesso e outras medidadas relevantes, é oportuno observar o desenvolvimento do tema no Congresso Americano e suas prováveis implicações futuras. A Internet, por sua própria natureza e origem, é globalizada. Os movimentos lá repercutem aqui. E muito fortemente. Vejamos o que dizem esses professores em boa hora trazidos ao debate pelo blog do Sérgio, endereço a ser visitado

"NADA DE PEDÁGIO NA INTERNET

by Lawrence Lessig and Robert W.Mc Chesney

O Congresso americano está prestes a realizar uma votação histórica sobre o futuro da internet. Decidirá se a internet vai permanecer uma tecnologia livre e aberta que fomenta a inovação, o crescimento econômico e a comunicação democrática ou se será transformada em propriedade de empresas a cabo e companhias telefônicas, que poderão colocar cabines de pedágio em todos os acessos e saídas da auto-estrada da informação.No centro deste debate está a mais importante política pública da qual provavelmente você nunca ouviu falar - a "neutralidade na rede".Neutralidade na rede significa simplesmente que todo o conteúdo na internet deve ser tratado da mesma forma e movimentado pela rede à mesma velocidade. Os proprietários da fiação da internet não podem fazer discriminação. Este é o projeto simples, mas brilhante, "de ponta a ponta" da internet que fez dela uma força tão poderosa para o bem econômico e social - todas as informações e o controle são detidos pelos produtores e usuários, e não pelas redes que os conectam.As proteções que garantiam a neutralidade da rede foram uma lei desde o nascimento da internet - vigorando até o ano passado, quando a Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações) eliminou as normas que impediam as empresas a cabo e de telefonia de discriminar provedores de conteúdo. Isso desencadeou uma onda de anúncios da parte de diretores-presidentes de empresas telefônicas dizendo que planejam fazer exatamente isso.Agora o Congresso está diante de uma decisão. Vamos devolver a neutralidade à rede e manter a internet livre? Ou vamos deixar que ela morra nas mãos dos proprietários de redes que estão ansiosos para se transformarem em guarda-cancelas do conteúdo? As implicações de se perder para sempre a neutralidade da rede não poderiam ser mais graves.A atual legislação, que conta com o respaldo de empresas como AT&T, Verizon e Comcast, permitirá que as firmas criem diferentes camadas de serviços online. Elas poderão vender acesso à via expressa para grandes empresas e relegar todos os demais ao equivalente digital a uma tortuosa estrada de terra. Pior ainda: esses guardiães determinarão quem vai ter tratamento especial e quem não vai.A idéia deles é se postar entre o provedor de conteúdo e o consumidor, exigindo um pedágio para garantir um serviço de qualidade. É o que Timothy Wu, um especialista em política da internet da Columbia University, chama de "modelo de negócios Tony Soprano (personagem que é chefe da máfia da série de televisão Família Soprano)". Ou seja, extorquindo dinheiro para proteção de todos os sites na web - desde o menor dos blogueiros até o Google -, os proprietários de rede terão imensos lucros.Sem a neutralidade da rede, a internet começaria a ficar parecida com a TV a cabo. Uma meia dúzia de grandes empresas controlarão o acesso ao conteúdo e sua distribuição, decidindo o que você vai ver e quanto vai pagar por isso.Os grandes setores como os de assistência médica, finanças, varejo e jogo vão se defrontar com enormes tarifas para o uso rápido e seguro da web - todos sujeitos a negociações discriminatórias e exclusivas com as gigantes da telefonia e da telefonia a cabo.Perderemos a oportunidade de expandir vastamente o acesso e a distribuição de notícias independentes e de informações comunitárias por meio da televisão de banda larga. Mais de 60% do conteúdo da web é criado por pessoas comuns, e não por empresas. Como essa inovação e produção vão progredir se seus criadores vão precisar pedir permissão a um cartel de proprietários de rede?O cheiro dos lucros caídos do céu paira no ar em Washington. As empresas de telefonia estão fazendo o máximo possível para legislar para si mesmas o poder do monopólio. Estão gastando milhões em dólares em propaganda nos círculos do poder em Washington, em lobistas muito bem pagos, em firmas de pesquisa e consultoria que podem ser "compradas" e em operações de falsas bases populares com nomes Orwellianos como Hands Off the Internet e NetCompetition.org.A elas se opõem uma coalizão de verdadeiras bases populares de mais de 700 grupos, 5 mil blogueiros e 750 mil americanos que se arregimentaram para apoiar a neutralidade da rede no site www.savetheinternet.com . A coalizão é de esquerda e de direita, comercial e não comercial, pública e privada. Conta com o apoio de instituições das mais diversas áreas. Inclui também os fundadores da internet, as marcas famosas do Vale do Silício e um bloco de varejistas, inovadores e empreendedores. Coalizão de tais amplitude, profundidade e determinação são raras na política contemporânea.A maioria dos grandes inovadores da história da internet começou na garagem de suas casas, com grandes idéias e um pequeno capital. Isso não é por acaso. As proteções à neutralidade da rede minimizaram o controle pelos proprietários de rede, maximizaram a competição e convidaram forasteiros a inovar. A neutralidade da rede garantiu um mercado livre e competitivo para o conteúdo da internet. Os benefícios são extraordinários e inegáveis.O Congresso está decidindo o futuro da internet. A questão que se apresenta é simples: deve a internet ser entregue à meia dúzia de empresas a cabo e de telefonia que controlam o acesso online de 98% do mercado de banda larga? Somente um Congresso cercado por lobistas de telecomunicações de alto preço e recheado com contribuições para campanha poderá possivelmente considerar um tal ato absurdo.As pessoas estão acordando para o que está em jogo, e suas vozes estão ficando cada vez mais altas a cada dia que passa. À medida que milhões de cidadãos forem se dando conta dos fatos, a mensagem para o Congresso será clara:
Salvem a internet.*


Lawrence Lessig é professor de Direito na Stanford University e fundador do Center for Internet and Society (Centro de Internet e Sociedade).*
Robert McChesney é professor de Comunicações na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e co-fundador da entidade para reformulação da mídia Free Press. “

sexta-feira, 21 de julho de 2006

BREVE CENA CARIOCA

O leitor já ouviu falar, ou conhece de perto, o espírito carioca. Difícil de definir, fácil de sentir.Tudo aconteceu num dia normal, como muitos outros. Num final de ano, mês de dezembro, sempre inspirador de comemorações e homenagens. Quando o homenageado encontra-se saudável, a época proporciona oportunidade para fartos coquetéis regados a bebidas variadas e muita fritura. Em total desacordo com a canícula dezembrina que assola o carioca. O homenageado do dia era o que se pode chamar, sem erro, gente fina. Empreendedor, grande jornalista sintonizado com os grandes temas do seu tempo, mobilizou legiões de jovens em busca de novas oportunidades de trabalho no seu jornal. Homenagem mais que merecida, portanto. Tendo visto nascer o jornal há vinte anos, não poderia faltar. Ademais, era seu amigo e admirador. Fui.
Discursos longos e animados num plenário muito especial, pois se tratava do Palácio Tiradentes. O histórico local onde esteve preso Joaquim José da Silva Xavier e muitos anos depois, foi câmara do Distrito Federal e mais recentemente, após a fusão do Estado do Rio com o da Guanabara, tornou-se Assembléia Legislativa do estado.Viu funcionar duas constituintes: a de 1933 e a de 1946. E também- dizem outros – o DIP Departamento de Imprensa e Propaganda da época da ditadura Vargas. Nesse vetusto e histórico prédio, a efeméride transcorria conforme previsto. Inclusive com o crescimento do número de convidados momentos antes do início do coquetel. Convalescendo de grave cirurgia e ainda submetido a rigorosa dieta, debatia-me heroicamente para manter equilibrados o bom e o mau colesterol, os triglicerídeos, glicose e outros menos votados como a creatinina e uréia.O imponente garçom que circulava entre os convivas viu-me recusar sistematicamente cervejas, frituras, salgados e vinhos.
Ao escurecer, concluí ser chegado o momento de retornar ao meu lar.Evitar excessos era a palavra de ordem médica. “Vamos de taxi” disse à minha esposa, que abstêmia e solidária observou silenciosa o meu consumo furtivo de duas pequenas taças de vinho tinto durante todo o evento.“Vamos” respondeu solícita e buscando a porta de saída do Palácio Tiradentes, ainda repleto de festivos e alegres convidados da comunidade educacional, e de alguns indefectíveis bicões.
Mas, algo muito estranho pairava no ar. A sensação de tontura não parecia conseqüência das duas taças de vinho. Ao caminhar na rua, após descer as escadarias do palácio, a surpresa: o chão sumiu!Desmaiei, perdi os sentidos.
Passados, creio, alguns segundos começo lentamente a recobrar a consciência.Deitado na calçada diante do palácio, quase em frente à rua da Assembléia ( antiga Rua do Presídio no tempo de Tiradentes) indago filosoficamente: “morri? é assim que se morre?”
O ruído dos automóveis, o bater de portas, o zunzum de pessoas próximas, tudo contribuía para me recordar sensação recentemente experimentada na sala de cirurgia. Então era isso. A operação retornava à minha memória cheia de ruídos, cheiros, zumbidos... “Mas isso não é a maca”, pensava enquanto estendia o braço e apalpava objetos estranhos ao meu redor. “E essas pedrinhas atrás da minha cabeça, na minha nuca.Que cama dura!” Lentamente abri os olhos receoso do que poderia encontrar, e ao mesmo tempo inquieto para saber se me encontrava na ante-sala do céu ou do inferno (não sentia calor, bom sinal!).
O leitor certamente já foi examinado de perto por alguém portando óculos com lentes que mais parecem fundo de garrafa. Contudo, jamais experimementou ser examinado simultaneamente por uma dezena de atentos observadores.Vista de baixo para cima, ou melhor do chão para cima, a dezena de rostos surpreende, amedronta. Mais ainda se, por cima dessas cabeças, paira um vulto sombrio indefinido e escuro: a grande estátua do Tiradentes impávida que me observava também em silêncio total.
Essa foi a imagem que vislumbrei ao recobrar os sentidos. Abri os olhos, olhei ao redor e para cima. Muitas pessoas. Outras se aproximando. Nenhuma fisionomia conhecida. (Está lá um corpo estendido no chão, pensei).
“Ele se move”, diz o moço dos óculos fundo de garrafa.”Não morreu,” comenta seu vizinho da direita. Tudo aquilo me parecia estranho. Amedrontado e muito, mas muito surpreso, levantei-me. Sentado quase junto ao meio-fio da calçada faço um enorme esforço para me colocar de pé, sentir-me realmente vivo e encarar meus observadores.
Caminho na direção de uma rampa de acesso ao palácio, sinuosa e cercada por uma mureta. A pequena multidão me segue na expectativa dos próximos desdobramentos dessa estranha situação. Cansado, sento na borda da rampa, na mureta que a contorna. Vejo ao longe minha esposa no alto da escadaria de acesso aos salões do palácio. Está acompanhada de alguém que me pareceu conhecer. Pela primeira vez as coisas começaram a fazer sentido: era um médico! Sim, claro, conversamos animadamente
até pouco antes da nossa saída do coquetel. Caminharam na minha direção. O médico, sentado ao meu lado, tomou-me o pulso e iniciou angustiante interrogatório: “tem problemas na carótida? Pressão arterial elevada?” e outras perguntas que obtinham invariavelmete um sim como resposta. Repentinamente o interrogatório médico é interrompido por uma senhora aparentando setenta e poucos anos. Saída da multidão, aproxima–se e me manda segurar uma moeda contra o pulso direito, pressionando-a com os dedos polegar e indicador ao mesmo tempo. Parecia um gancho a prender meu pulso e a moeda. Olha-me- e ao médico- firmemente nos olhos, e afirma plena de mistério: “segure firme, é metaalll. Imagino que uma pessoa em recuperação de um desmaio faça tudo o que lhe for solicitado. Deseja participar, e dizer veja como estou bem. Ao menos essa foi minha reação. Segui obediente as instruções da velhinha. O médico calado estava e calado ficou.
As manifestações de curiosa e genuína solidariedade popular começavam a brotar de todos os lados, passados os efeitos do susto e surpresas iniciais.É hipoglicemia. É fome mesmo. É a cachaça...Os múltiplos diagnósticos se sucediam em impressionante velocidade. Os respectivos remédios também. Foi quando surgiu uma jovem do fundo da multidão e ofereceu uma lata de Coca-Cola já aberta e parcialmente consumida. “Glicose não devo consumir. Refrigerente é item proibido na minha dieta rigorosa. Não, isso não”. Disse. Mas, agradecido, estendi a mão para recolher o presente perigoso. Estiquei o braço esquerdo, mantendo sustentado pela mão direita o metal da velhinha. Assim fiquei por alguns minutos com ambas as mãos ocupadas.Em franca recuperação, conforme se pode verificar. Sossego interrompido por nova oferta. Desta vez, um senhor de chapéu me aparece com um pacote contendo uma barra de cereais parcialmente consumida. Ainda solícito e participante, interrogo o médico, primeiro com um olhar e depois verbalmente após enigmático silêncio. “Que faço com essa moeda no meu pulso? Para que serve? Por quê?” A desconcertante resposta quase me deixou tão duro quanto a estátua do Tiradentes que não me perdia de vista, mesmo com toda aquela multidão ao redor. “Não tem a menor utilidade médica. Se bem não faz, mal também não. A velhinha pediu, você fez e pareceram ambos contentes e realizados, deixei... Além disso, aquele não era o momento adequado para grandes polêmicas médicas nem filosóficas”.
Entreguei contrariado a moeda ao médico. Antes verifiquei que a velhinha não se encontrava mais nas proximidades.Peguei a barra de cereais em uma das mãos, e o refrigerante na outra. Tentava organizar meus pensamentos, quando um grito ecoou. “Pega ladrão!” Era o garçom, que deixara ele também o coquetel para conferir os acontecimentos externos. Circulara a informação dando conta de que um dos convidados fora baleado numa tentativa de assalto na saída do palácio. Minha esposa que lá acorrera em busca de socorro para mim era apontada como a acompanhante da vítima. Profissional ao extremo, o garçom assim que viu o homenageado em pé junto ao médico, recompôs-se e passou a servir os convivas ali mesmo na rua. Braço dobrado na altura do pescoço, mão apoiando a bandeja e copos cheios na tradicional pose dos garçons em todo o mundo. Seguia ele tranqüilo, quando subitamente percebeu um transeunte atravessar a rua portado um dos seus copos cheio de cerveja. Ia na direção do terminal Menezes Cortes. Esse não voltaria com certeza. E gritou pega ladrão.Talvez já conhecesse a figura ou mesmo com ela convivesse em eventos boca livre (um dos bicões?).Veio na minha direção, como se a dizer “fui roubado por sua causa, você é o responsável”. Entendi e respondi: “mal me agüento de pé, não quer que eu saia correndo atrás do ladrão do seu copo, não é?”
A tradicional turma do deixa-disso entra em campo e tenta minimizar o fato com argumentos como: é apenas um copo, não vale uma briga. O homenageado coloca panos quentes, mas o garçom irredutível insiste (será que busca uma indenização? Uma perdas e danos meio na marra? Um reforço na gorgeta?)
O bafafá só terminou quando um cidadão, lá no fundo, vestido com uma camisa do Flamengo e uma tatuagem de mulata inspiradora das charges do Lan encerrou definitivo:
PERDEU PLAYBOY!


Autor: Arthur Pereira Nunes



Hospital São Lucas
Julho/2006

sábado, 1 de abril de 2006

Software Livre: Remédio Genérico do Software


A experiência brasileira com os remédios genéricos chama a atenção dos observadores atentos aos cenários de políticas tecnológicas. O interesse público, a apropriação dos benefícios do progresso técnico e a inclusão social são alguns dos temas direta ou indiretamente relacionados com a polêmica sobre a “quebra de patente” dos remédios necessários ao tratamento da AIDS. Tema igualmente polêmico e que tem recebido, em tempos recentes, destaque. na imprensa é o Software Livre.


Conceitualmente o termo Software Livre induz a ambigüidades já que a tradução de free confunde software gratuito com .livre. Para fugir dessa ambivalência muitos preferem empregar o conceito “öpen source software ou programa de computador de fonte aberta ou ainda software de código aberto. Não são exatamente a mesma coisa. A principal diferença reside na possibilidade do programa código aberto/fonte aberta permitir ao elo final da sua utilização o fechamento do código para uso proprietário.

Assim, software livre não significa programa gratuito mas dotado das 4 liberdades da licença GNU: liberdade para executar o programa para qualquer fim, liberdade de estudar o programa e adaptá-lo; liberdade de redistribuir cópias ; liberdade de melhorar e publicar as melhorias do programa. O programa nasce e se desenvolve livre. Em contraposição ao software livre encontra-se o software proprietário cujos códigos do programa não podem sofrer alterações nem são totalmente conhecidos do usuário. Ao usuário cabe exclusivamente a função de operador da caixa preta cuja construção desconhece. Nesse contexto, o desenvolvimento do software se dá sob condições do sigilo industrial, com a propriedade intelectual, o direito de autor desempenhando papel crucial. O pagamento de royalties e assemelhados constituem as motivações econômicas dominantes.

Embora criado há cerca de 20 anos, o conceito de software livre tornou-se conhecido mais recentemente em nosso país em virtude da adoção de políticas públicas destinadas a estimular sua difusão. Cabe registrar que o primeiro grande esforço realizado em nosso país e conhecido à época como desenvolvimento de um “UNIX Like “ ocorreu sob a liderança da COBRA COMPUTADORES, empresa com fábrica localizada no bairro carioca de Jacarepaguá

Pretendia-se que o SOX fosse adotado como o sistema operacional dos microcomputadores da nascente indústria nacional de computadores. Era um audacioso projeto de desenvolvimento cooperado destinado a mobilizar um grupo de empresas nacionais que competia entre si nesse mercado. O projeto foi abandonado prematuramente em virtude das empresas nacionais terem adotado o caminho de operadoras de caixa preta como estratégia de sobrevivência num mercado que passava a enfrentar a acirrada competição dos importados. Além de não disporem de recursos de investimento suficientes para desenvolver e manter seus próprios sistemas operacionais, também lhes faltava a compreensão da utilidade do desenvolvimento cooperado. Não deixa de ser curioso observar que os famosos PCs (personal computer) hardwares de arquitetura aberta portanto mais facilmente industrializáveis continham em contrapartida os softwares proprietários MS DOS por exemplo. O abandono do SOX representou uma oportunidade perdida de criação de um genérico num momento crucial do desenvolvimento .dessa indústria.

O debate sobre modelos de desenvolvimento tecnológico no campo do software torna –se ainda mais crítico quando associado aos desafios da inclusão digital, parte importante do inadiável combate à exclusão social A necessidade de incluir milhões de cidadãos requer fórmulas arrojadas, serenas porém muito firmes. O software livre é a alternativa estratégica para os programas urgentes de inclusão digital. da mesma maneira que os remédios genéricos o são para a AIDS. É o genérico do software. A mobilização generosa e solidária das boas equipes das universidades ,colégios, telecentros e outras instituições de interesse público é essencial. A educação é área nobre para o desenvolvimento e disseminação do software livre.. Isto por razões de ordem estratégica e econômicas. O Brasil remete anualmente para o exterior por conta de importação de software cerca de 1bilhão de dólares. Exporta apenas 100 milhões de dólares. .O simples anúncio de que se cogita incorporar o software livre Linux no Projeto do Computador Conectado- projeto governamental destinado a promover o uso do computador em classes de menor poder aquisitivo e distanciadas dessa tecnologia- já provocou grande rebuliço. A imprensa noticiou em abril passado que a MICROSOFT se preparava para oferecer redução de 150 dólares para 30 dólares no valor de uma cópia do Windows que saia da fábrica dentro dos computadores destinados ao programa. Volta-se a falar em livre escolha, concorrência, competição. .É’ oportunidade de revisitar conceitos rotineiramente empregados de forma, no mínimo, discutível. Por exemplo, nos concursos para recrutamento de empregados é usual o teste de conhecimento sobre a operação de uma marca específica de software e não de um tipo de programa de computador. Diferentemente da seleção de um motorista - quando ninguém acharia natural uma prova de motorista de Volks ou de Ford em lugar de Motorista de Automóvel- seleciona-se operador de produto de uma marca: excel, word, acces ao invés de um operador de planilha, editor de texto, banco de dados. É diferença sutil que vale milhões de dólares em cópias de software, royalties, alimenta um mercado de cursos e exclui os que não têm acesso ao conhecimento dessa marca.

Só pagando. E muito caro!



Arthur Pereira Nunes

Graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e Pós Graduação no IIAP- Paris Participou da implantação da Política Nacional de Informática, ocupou cargos técnicos e de direção no setor privado e na área pública.. Atualmente é assessor especial do Ministro da Ciência e Tecnologia
24/Jun/2005

Sudesenvolvimento do sudesenvolvimento


A Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) divulgou, ao final do ano, estudo intitulado Balanço Preliminar das Economias da América Latina e Caribe 2005. Nele encontram-se dados sobre o desempenho recente das economias da região.
De acordo com esse organismo internacional, a média de crescimento do Produto Interno Bruto(PIB) alcançou a taxa de 4,3% em 2005. As economias com maiores taxas no ano foram: Venezuela (9%), Argentina (8,6%) seguidas do Chile, Uruguai, Panamá e Peru com 6%. Dentre os países com menor crescimento o Brasil com 2,5% supera apenas o Haiti com 1,5%. Para cada país provavelmente existirão muitas explicações. Contudo é preocupante constatar que economias de países em desenvolvimento situados em outras áreas do planeta apresentaram taxas superiores às observadas na região.”A América Latina está crescendo menos do que o conjunto dos países em desenvolvimento” diz a CEPAL.
Qual explicação para tal cenário? E o Brasil como se situa nesse quadro?
Sem dúvida, umas das razões a influenciar essa tendência reside na drástica mudança da estrutura da indústria. Para tanto contribuíram as políticas macroeconômicas e de abertura comercial adotadas em grande número de países da região, sobretudo a partir dos anos 80 e 90. Gradualmente, o conceito de desindustrialização perdeu a conotação negativa de desmonte ou destruição da indústria para se tornar quase um objetivo a alcançar. Na lógica das nações desenvolvidas pode fazer algum sentido o declínio da participação da indústria na composição do Produto Interno Bruto (PIB) e no emprego, se, em contrapartida, aumentar o dinamismo do setor serviços. O crescimento desse último poderia ser entendido como melhoria do nível de vida. Numa versão estereotipada representaria uma evolução: agronegócios, em seguida indústria e, em estágio posterior, serviços. Entretanto, a compreensão do sentido e natureza desse processo é imprescindível para evitar a corrida atrás de miragens. O fenômeno da terceirização é um caso típico. Do ponto de vista de uma nação, o processo de terceirização no âmbito de um segmento industrial apresenta conseqüências radicalmente distintas segundo a existência ou não de domínio tecnológico. Numa empresa que domina o processo tecnológico, a distribuição das diversas etapas da elaboração do seu produto pelo mundo é por ela comandada e submetida às suas escolhas ( inclusive a decisão sobre o que terceirizar ou manter intra muros). Quando se trata de empresa que não domina o ciclo de desenvolvimento e produção de um produto, a distribuição e fragmentação eficiente das diversas etapas de produção é extremamente difícil ou mesmo inviável. A terceirização de etapas menos elaboradas da produção a partir das nações desenvolvidas que controlam o ciclo de desenvolvimento tecnológico apresenta efeitos substancialmente distintos nos países que venham a receber essa produção planejadamente descentralizada ou fragmentada. Nesse contexto, a desindustrialização numa nação industrialmente madura (que domina as diversas etapas do ciclo de desenvolvimento e produção tecnológica), decorrente da decisão de terceirizar a produção, por exemplo, é determinada por razões de estratégia comercial ou econômica. Mas o controle tecnológico permanece. A fragmentação das atividades e sua re-alocação em terceiros, obedece a critérios distintos e próprios. A perda de determinados postos de trabalho no setor industrial é compensada pela geração de emprego e renda no setor de serviços mediante aumento de demanda de mão-de-obra de mais alta qualificação e remuneração. Ainda assim, crescem nas nações desenvolvidas as críticas à terceirização. Até mesmo a perda de postos de trabalho de baixa e qualificação é questionada.
Já aos países em desenvolvimento, de industrialização precária e que não detêm o domínio tecnológico, resta apenas operar como fornecedor de mão -de- obra para as atividades de baixa qualificação (e baixa remuneração). A competição para atrair empreendimentos se dá mediante sucessivas reduções no custo do trabalho, na tributação ou nos incentivos fiscais crescentemente generosos.
Ainda hoje é quase impossível dissociar a CEPAL da lembrança de Celso (Ver O Brasil do século XX (199 Kb) ), e Raul Prebish. Seus estudos sobre o subdesenvolvimento e a industrialização baseada na substituição de importações marcaram uma geração. Os números do Balanço Preliminar, divulgados por aquela instituição, ensejam importantes indagações. A redução do peso relativo do setor industrial, no PIB e no emprego, teria contribuído para as baixo crescimento, num contexto de desaceleração econômica e de abertura comercial concomitante à adoção de políticas macroeconômicas que penalizaram o sistema produtivo?
A América Latina vem perdendo gradualmente em posição relativa frente aos países da área do Leste da Ásia e Pacífico que apresentam taxas médias de crescimento do setor industrial (10% ao ano) superiores significativamente aos 2% anuais verificados na nossa região. As baixas taxas médias nos últimos anos e o retardamento da América Latina com respeito a outras regiões estariam a indicar um preocupante ciclo de subdesenvolvimento do próprio subdesenvolvimento. Neste caso, a atividade industrial e tecnológica pode estar a desempenhar papel crucial juntamente com as políticas macroeconômicas.

GOVERNANÇA MUNDIAL DA INTERNET


Reunidos em Genebra, em julho de 2003, representantes e autoridades governamentais de 175 países firmaram declaração indicando que a Internet deverá ocupar posição destacada na construção da infra-estrutura da sociedade da informação. Ao mesmo tempo em que registraram as divergências a respeito da adequação das instituições hoje existentes, propuseram a criação de um grupo de trabalho para estudar e apresentar sugestões sobre governança a serem examinadas na segunda etapa da conferência. Em novembro próximo, ocorrerá em Túnis a nova etapa da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, oportunidade da prevista conclusão das negociações sobre a Governança da Internet.
O grupo de trabalho criado pelo secretário-geral da ONU, em atendimento à recomendação da conferência de Genebra, produziu documento (c) que deverá servir de ponto de partida para as negociações. Ao adotar definição prática para governança da Internet, o grupo contribuiu para esclarecer a formidável repercussão das questões em debate: “elaboração e aplicação pelos Estados, pelo setor privado e pela sociedade civil, no âmbito das suas respectivas áreas de ação, de princípios, normas, regras, procedimentos de tomada de decisão e programas comuns destinados a modelar a evolução da utilização da Internet”; tarefa delicada se considerarmos as estimativas que indicam mais de um bilhão de usuários da Internet espalhados pelo planeta.
Além das questões de natureza técnica de elevada complexidade, o tema apresenta desdobramentos políticos de alta relevância. No campo estritamente técnico, situam-se as discussões relativas à infra-estrutura e gestão de recursos como a administração do sistema de domínio e endereço IP (Internet Protocol), assim como a administração dos servidores raízes. A adoção de normas, a homologação e interconexão, as telecomunicações, o multilinguismo e a convergência tecnológica são outros temas integrantes desta pauta de discussao. No terreno mais fortemente político, muito embora as questões técnicas anteriormente citadas não sejam propriamente “neutras”, temos novos problemas decorrentes da grande difusão desse instrumento em escala mundial. Integram esse novo elenco de problemas, o cybercrime, a segurança de redes, o SPAM, entre outros. Propriedade intelectual, comércio internacional, se examinados na perspectiva dos interesses dos países em desenvolvimento, podem exigir reflexões arrojadas. O reconhecimento de que o controle dos arquivos da “zona raíz” exercido, na prática e de forma unilateral, pelo governo dos Estados Unidos, por meio do Departamento de Comércio, é um dos pontos críticos para a construção dos novos modelos. A proposição de alternativas institucionais e políticas buscaria conciliar, segundo o mencionado documento, os seguintes princípios: a) nenhum governo comandaria isoladamente a governança da Internet no plano internacional; b) a nova forma de organização deveria ser multilateral, transparente, democrática com a participação dos Estados Nacionais, do setor privado, da sociedade civil e de organismos internacionais; c) a atividade de governança deveria utilizar os organismos e as instituições intergovernamentais no âmbito de suas respectivas atribuições.
O caráter cada vez mais internacional da Internet passou a exigir a coordenação em escala mundial de instrumentos e políticas públicas, principalmente quando a construção da grande rede deixou de ser uma atividade puramente universitária e se incorporou ao mundo dos negócios com a significativa disseminação do seu uso. A necessidade de articular as legislações de Estados Nacionais sobre, por exemplo, proteção do consumidor passa a ser crítica nas aquisições on line transfronteiras. A busca de certo grau de uniformização no tratamento da propriedade intelectual passa a ser vital para a ampliação da fronteira de negócios. As investigações judiciais sobre delitos cometidos no cyberespaço colocam em evidência os problemas das jurisdições transfronteiras e a necessidade de coordenação das ações. Este é o caso, por exemplo, de infrações cometidas em determinado país, lançando-se mão do emprego de recurso tecnológico localizado em outro território. Por sua vez, o uso indevido ou inadequado de informações pessoais, com agressões à privacidade, tem sua prevenção ou penalização inibida em países onde não haja tradição jurídica nesse campo. É, portanto, desse intrincado contexto que decorrem as seguintes interrogacões: As necessidades técnicas da expansão da Internet comercial se submeterão aos condicionantes da soberania ou determinarão novos paradigmas para adequar/eliminar os condicionantes à sua necessidade de expansão? Quais as conseqüências de um comando unilateral da Internet mundial? Como a Internet poderá evoluir num quadro de desenvolvimento cooperado e sem hegemonias? Quem a controlará? Haveria esta possibilidade?
Os questionamentos anteriormente alinhados, estão presentes e colocados de forma às vêzes explícita ou apenas insinuados nas entrelinhas dos debates. Quatro modelos institucionais estão sugeridos como alternativas para a construção de uma proposta a ser negociada em Túnis. As principais diferenças entre eles residem no papel reservado aos representantes dos Estados Nacionais, ao setor privado e à sociedade civil na estrutura de controle (inclusive na eventualidade de criação/adaptação de novo órgão na estrutura da ONU). A definição do papel e do modelo de gestão do ICANN (sigla em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números) recebeu tratamentos distintos nas diversas propostas, que variaram desde a sua total reformulação até a sua subordinação, passando por modificações, a um novo organismo multilateral. As negociações em curso influirão na natureza e na velocidade da incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação pelos países em desenvolvimento. O risco de agravamento das desigualdades faz-se presente quando os objetivos da expansão da fronteira comercial da Internet são confundidos como sinônimos de inclusão social. Ambos têm seus espaços e suas necessidades próprias. Essas especificidades, portanto, devem ser consideradas na avaliação dos modelos de governança e na coerência das ações de governança mundial a implementar.


Fonte: Arthur Pereira Nunes

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO


NA ENCRUZILHADA DA DESIGUALDADE


A fronteira entre países desenvolvidos e em desenvolvimento vem sendo demarcada, cada vez mais intensamente, pelo domínio da tecnologia.De um lado aqueles que a dominam e produzem e do outro os consumidores simplesmente.Dentre as diversas tecnologias importantes em virtude do seu impacto na vida dos cidadãos modernos, destacam-se as denominadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).A chocante defasagem existente hoje entre países ditos avançados e os atrasados ou, em outras palavras, produtores de conhecimento e consumidores marginais desse conhecimento tem preocupado a muitos.Já se tornou quase lugar comum afirmar que recursos naturais e mão de obra barata já não constituem elementos suficientes para assegurar o processo de desenvolvimento econômico.Reconhecer a importância do conhecimento como fator determinante nas economias modernas não deve conduzir, por outro lado, a um fatalismo tecnológico.Ainda tímido, um novo diagnóstico começa a ganhar corpo.

Relatório da ONU divulgado em agosto de 2005 sob o título The Inequality Predicament constitui um desses casos. A Encruzilhada da Desigualdade aponta algumas das conseqüências mais dramáticas do processo de globalização em curso.Nos 20 países mais pobres do mundo a renda per capta média avançou 23% nos últimos 40 anos. Já nos 20 países mais ricos ocorreu avanço de 183% no mesmo período. A distância aumentou portanto.A publicação contém outras importantes e expressivas comparações internacionais.Dentre elas a análise do comportamento da renda medida pelo Índice de Gini a partir de 73 países que apuraram sistematicamente dados para o período estudado.Em 48 países a desigualdade cresceu, em outros 9 diminuiu, enquanto permaneceu praticamente inalterada nos demais 16 países da amostra. O estudo mostra também que 80% da renda mundial está com 1 bilhão e pessoas vivendo em países desenvolvidos enquanto outros 20% da renda estão com 5 bilhões residentes em países em desenvolvimento.

A Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, patrocinada pela ONU, é outra iniciativa recente de esforço de reflexão destinado a dar conta desse processo e busca de mecanismos para mitigar os seus efeitos negativos no campo das TICs. Prevista para se desenvolver em duas etapas, a referida conferência reuniu cerca de 11 mil participantes na sua primeira fase em Genebra no mês de dezembro de 2003. Mobilizou a representação de 175 países, além de contar com a participação de 80 organismos internacionais e 480 organizações não-governamentais. Ainda que sob o risco de excessiva simplificação, poderia ser vista como uma tentativa de construção de consensos e compromissos semelhantes aos por nós aqui presenciados na ECO 92, por exemplo..Compromissos futuros começam a ser construídos de modo formal.Os Estados Nacionais se comprometem com princípios e sua aplicação. O mesmo em relação a organismos internacionais.

Novas fronteiras podem estar em construção?.O que mudou de 2003 até aqui?

Os resultados da primeira etapa de Genebra encontram-se consolidados na Carta de Princípios e no Plano de Ação

(http://www.itu.int/wsis/documents/doc_multi.asp?lang=en&id=14180) Dois grandes temas não puderam apresentar resultados conclusivos nessa etapa da conferência e serão discutidos na

segunda fase a ocorrer de 16 a 18 de novembro 2005 em Túnis : o financiamento das TICs para o desenvolvimento e a governança da Internet.A criação de um fundo de solidariedade digital é uma proposta originária da iniciativa dos países africanos e encontra adeptos e críticos dentro e fora do mundo desenvolvido.Na conferência de Genebra, e após, cresceu a tendência de criação de um fundo voluntário alimentado por contribuição decorrente de fornecimento ao setor público.Já o polêmico tema da Governança vem mobilizando as discussões sobre a solução institucional adequada à necessidade de criação de mecanismo global de governança que seja multilateral, transparente e democrático.Em nosso país encontra-se em curso uma experiência de democratização da governança da qual participam a sociedade civil,a comunidade acadêmica, empresarial, governo e que pode contribuir para as conclusões da conferência nesse campo.

Contudo as repercussões dos resultados obtidos ainda na primeira fase da conferência merecem especial exame, tendo em vista o alerta produzido pelo recente estudo da ONU. A Sociedade da Informação encontra-se certamente nessa encruzilhada da desigualdade.
http://ecodigital.blogspot.com/2004_03_30_ecodigital_archive.html

sábado, 25 de março de 2006

Democratização da Internet

A evolução histórica da Internet no Brasil contém elementos que ajudam a compreender a complexidade das questões relacionadas com a apropriação dos benefícios do progresso técnico. Originária da comunidade acadêmica, a Internet rapidamente se tornou valioso instrumento das entidades civis e posteriormente incorporou-se ao mundo dos negócios no processo de sua expansão.
Contudo, esse desenvolvimento tecnológico repleto de promessas e esperanças se defronta com problemas próprios da economia e da sociedade onde ocorre. O mais visível e polêmico deles denominado exclusão digital. Como tratar desse tema, a partir do ponto de vista de uma sociedade em desenvolvimento? Que soluções institucionais construir para viabilizar um estratégia que possibilite aumentar a autonomia tecnológica? De início, torna-se necessário distinguir autonomia tecnológica da auto-suficiência. Autonomia tecnológica é aqui empregada como sinônimo de autonomia decisória, capacidade de decidir entre opções tecnológicas com conhecimento das suas implicações técnicas, industriais, econômicas, sociais. Enfim, governar-se por si mesmo. Diferente, portanto, de auto-suficiência de bastar-se a si próprio, produzir absolutamente tudo o que necessita. Essa distinção feita, cabe considerar que o advento da Internet veio dar expressão a uma nova fase de desenvolvimento tecnológico, com profundas repercussões nas estratégias de políticas públicas. Nos anos setenta o computador era entendido como um Bem de Produção, um equipamento usado nas empresas e com grande utilidade na produção. Na era do “cérebro eletrônico” os instrumentos de políticas públicas então disponíveis priorizavam o aumento da sua difusão nas empresas e eventual produção/fabricação local. Nos anos oitenta, a expansão do uso dos microcomputadores e conseqüente penetração nos lares em decorrência da revolução microeletrônica, tornou o computador um Bem de Consumo. E passou a requerer instrumentos de políticas próprios a esse segmento. A convergência tecnológica simbolizada na nova relação informática/telecomunicações cresce nos anos noventa e fornece o pano de fundo da expansão das comunicações e formação das novas redes em nosso país.Com o advento da Internet, a tecnologia da informática passa a representar um Bem Cultural e, por conseguinte, passa a demandar políticas próprias que respeitem essa especificidade. E que tipos de relações institucionais construir e desenvolver? Nesse contexto, a democratização da Internet assume seu mais relevante significado. A recente experiência brasileira representa um marco na evolução da Internet em âmbito mundial. Dentre a grande variedade de temas abordados na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, realizada em Genebra em dezembro de 2003, destacou-se a polêmica sobre a Governança da Internet. O caso brasileiro é uma experiência concreta sobre as possibilidades de criação de modelos alternativos que levem em consideração as reais necessidades dos países em desenvolvimento. A opção brasileira pela via da democratização da Internet encontra-se ainda nos seus estágios iniciais. E mudanças importantes já ocorreram. A mais significativa ocorreu na composição do Comitê Gestor da Internet do Brasil. Fato inédito, toda a representação da sociedade civil é constituída por membros eleitos para esse fim por seus pares. E com expressiva participação (11 representantes num total de 20). Representativo e vinculado diretamente às necessidades, urgências e expectativas dos setores organizados, o Comitê terá sua pauta de ação cada vez mais influenciada pela composição resultante desse processo. Que, diga-se, empregou os recursos técnicos da própria Internet para proceder à eleição. Aí estão representados os interesses do terceiro setor, comunidade científica e tecnológica, empresarial, além do governo. Ainda são escassos os estudos e as estatísticas sobre a Internet em nosso país. Estima-se que cerca de 20 milhões pessoas tenham acesso efetivamente a esse recurso como usuárias .A quantidade de hosts- máquinas que operam sob o .br – aproxima-se da marca de 4 milhões de unidades contra 117 mil máquinas em 1998 o que situa o Brasil entre os 9 países com maior participação na Internet no mundo. Contudo a trajetória a percorrer ainda é muito longa. A participação dos que têm acesso em relação ao total da população é extremamente baixa, revelando a necessidade e urgência de projetos arrojados de inclusão digital que não se prendam exclusivamente aos aspectos quantitativos da questão. A ênfase nos aspectos da infra-estrutura não deve sobrepor-se aos qualitativos e relacionados à produção de conteúdo, necessidades educacionais e de preservação da identidade linguística e cultural, por exemplo. É preciso considerar que a disponibilidade de recursos de infra- estrutura é condição necessária mas não suficiente Os melhores caminhos serão definidos mediante uma gestão democrática e participativa que valorize ações concretas e comprometidas com o país.
Arthur Pereira Nunes
Fonte: Arthur Pereira Nunes