BRIC, NOVO MODISMO?
Um novo acrônimo, do economês do mundo dos negócios, vem ganhando popularidade rapidamente : BRIC, iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, produzido no rastro da expectativa da ascensão das economias desses países. Sua criação é usualmente atribuída ao grupo de pesquisas econômicas do Goldman Sachs do qual faz parte Jim Óneill, entre outros. Valendo-se de estudos demográficos, tendências de crescimento de mercados, estimativas de produção, além da boa dose de otimismo, a equipe de pesquisadores do referido Banco vaticinou que, nas próximas décadas, os países do BRIC suplantarão as economias líderes. Até mesmo a liderança norte- americana estaria em questão. De acordo com as projeções por eles realizadas, a economia chinesa ultrapassaria a dos Estados Unidos até 2050. Os números que apresentaram, ainda em outubro de 2003, são efetivamente impressionantes. Apenas para o período 2005/2015 estaria prevista a inclusão de cerca de 800 milhões de pessoas no mercado como novos consumidores.
O emprego generalizado do termo vem despertando expectativas variadas e, às vezes, conflitantes. Na visão dos homens de negócio, a emergência desse grupo de países para a linha de frente das economias do futuro representará a mais importante mudança da economia mundial, na primeira metade desse século recém- inaugurado. A expectativa é alimentada pelos prognósticos para as próximas décadas. Ao prever que as economias dos quatro países alcançarão a liderança da economia mundial, a equipe surpreendeu e estimulou a imaginação de muitos. Afinal, incluiu a superação da economia americana pela economia da China entre as previsões... Surpreendeu, também, ao situar as economias dos países que fazem parte do BRIC entre as prováveis sete maiores economias do planeta nas próximas décadas. Deixando para trás as fortes economias da Alemanha e Japão. Desta forma, o sucesso no mundo dos negócios seria fortemente influenciado pelos resultados econômicos alcançados pelos países do BRIC.
Estudo muito recente, dessa vez patrocinado pela OCDE e divulgado em junho passado, também atribui papel de destaque a esse grupo de países emergentes. A publicação OCDE EMPLOYMENT OUTLOOK- 2007 dedica o seu primeiro capítulo à análise do Mercado de Trabalho no Brasil, Rússia, Índia e China. Lembra que, em 2005, o grupo BRIC representou 42% da população mundial e 45% da força de trabalho. Para esse mesmo período, os países reunidos na OECD respondiam por cerca de 19% da população e igual porcentagem da força de trabalho. Vale recordar que esse organismo se constituiu num fórum que congrega 30 países. Converteu-se num local onde os governos podem comparar experiências de políticas públicas, buscar em conjunto soluções para problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais. No referido estudo, os países do BRIC são apresentados como grandes novos atores nas atividades de comércio e investimento. Ao discutir a situação atual, qualifica-a como resultante de um processo de globalização em escala jamais vista. Ao citar casos recentes de integração econômica, recorre ao exemplo dos países do BRIC. Destaca que esses incorporaram muitos serviços intensivos em mão de obra. E não apenas atividades industriais, como ocorrera no passado. Associa o avanço da globalização ao rápido processo de adoção das TIC- Tecnologias de Informação e Comunicação. Contudo, a trajetória das economias emergentes no campo das TIC também já fora objeto de atenção particular de grupos acadêmicos. Em 2001, logo em seguida ao bug do milênio, e certamente antevendo que algo de importante já estava em curso nessa parte do mundo o Massachussets Institute of Technology-MIT, promoveu a pesquisa Slicing the Knowledge- based Economy in Brazil, China and Índia. Esse trabalho compreendeu a realização de estudo comparativo sobre a evolução dos mercados de software naqueles 3 países, a partir de estudos individuais em cada um deles.
Quais características comuns os países do BRIC apresentam? Em que se diferenciam entre si e o que os distinguiria significativamente do segmento dos países desenvolvidos? Em comum, certamente, apresentam a grandiosidade numérica das suas respectivas populações e a elevada carência material de parte substancial do seu povo.Entre si se diferenciam pela herança cultural, histórica, religiosa, política. Ainda assim, poderiam essas nações representar um bloco? E, mais que isso, uma unidade de análise consistente e que apresentasse especificidade capaz de justificar tratamento conceitual em comum e não apenas estatístico? BRIC seria uma justaposição arbitrária de economias e experiências que careceriam de um mínimo de unidade? São indagações como essas que novos estudos e a experiência devem tentar responder.
A análise das repercussões do processo de globalização nas economias de um grupo de países reunidos no âmbito da OCDE aponta para fatos e tendências importantes.Os trabalhadores nos países da OCDE estariam cada vez mais preocupados com suas capacidades de manter os respectivos empregos. O documento publicado por aquele organismo destina longo espaço à análise do comércio internacional e mercado de trabalho desde 1980. Conclui que empregos e salários estão mais vulneráreis a choques externos. E, com isto, reduz -se o poder de negociação dos trabalhadores, especialmente os de mais baixa qualificação. O offshoring ou seja, a realocação de um negócio, de uma atividade econômica, (produção,manufatura, ou serviços ) de um país para outro, ou mesmo a simples ameaça da sua adoção, desponta como uma importante força a contribuir para o aumento da vulnerabilidade dos empregos e salários. A política do offshoring permitiria às empresas responder com mais flexibilidade aos choques externos, através de mudanças na produção e na relação entre o que é realizado localmente e o trazido de fora. Numa postura fatalista, sustenta que a manutenção de barreiras somente prejudicaria a obtenção dos melhores benefícios de uma globalização já inexorável. Porque aquelas se destinariam a apenas preservar empregos sem futuro...
Não deixa de ser revelador observar - no mesmo documento que estuda as economias dos países do BRIC, mercado de trabalho, emprego - a veemente defesa da flexicurity . Para alguns, ainda pode parecer estranha essa nova combinação de dois conceitos: flexibilidade e segurança. É mesmo polêmica e ambígua. Mas consta da agenda da União Européia que reúne 27 Estados Nacionais. Os mais críticos diriam que, na realidade, se trata de mais flexibilidade para contratar e demitir. Submeter a organização do trabalho à lógica do mundo dos negócios globalizados. Mesmo reconhecendo a importância e necessidade de harmonizar regionalmente as legislações trabalhistas e previdenciárias de diversos países com tradição, histórias e políticas distintas, não se pode omitir que subjacente a esse propósito também está presente a preocupação com a deslocalização de empreendimentos. O risco de vê-los transferidos, e aos empregos, para países de fora da região. Especialmente aqueles que seguiriam na direção de nações com baixa rigidez na sua legislação trabalhista, menores custos, mão- de -obra barata, treinada e farta: a provável razão do modismo do BRIC. China à frente como virtual fábrica do mundo. Seria isso o prenúncio de uma radicalização neoliberal, alimentada pela disputa para remunerar menos o trabalho em escala global?
Arthur Pereira Nunes
Publicado no Caderno de Educação da Folha Dirigida julho/2007