A capacidade de distinguir entre o real e o virtual se converteu em sofisticada especialização nos dias atuais. A expressão "nem aqui, nem na China", empregada como sinônimo de uma situação inverossímil, quase caiu em desuso. Mas às vezes faz falta. Essa é a primeira evocação que provoca a leitura do Shanghai Daily ( 14.11.2008). A notícia pequena se perdeu no festival de novidades surpreendentes, que tiraram o sono das pessoas do mundo do dinheiro nos últimos meses. O tsunami financeiro fazia suas vítimas e contribuía para desviar a atenção de todos, em direção às celebridades do mundo dos negócios. Essas, a cada instante, mudando de local nas colunas dos jornais diários, a ameaçar de congestionamento suas páginas menos nobres.
Provavelmente por isso, passou quase despercebida a notícia da criação de imposto sobre ganhos com transferência de propriedade virtual...nos jogos on line! Que agora é lei na China.
Apenas aqueles mais atentos tiveram as atenções despertadas para o curioso e emblemático fato, próprio da economia virtual dos jogos online. Na raiz das atividades relacionadas a esse tipo de jogo encontram-se siglas e conceitos pouco familiares. Especialmente se o leitor não fizer parte da jovem tribo adepta da nova modalidade de lazer: os jogos de multi-utilizadores - Massively Multiplayer Online Games (MMOG).
Estudos recentes já mostram que esses jogos propiciaram o surgimento de um conjunto de atividades que começam a surpreender o mundo. Nesse campo, a China se destaca com o grande número de pessoas que exercem a função de gold farmer (que coleta moeda virtual dentro do jogo para revendê-la a outros jogadores, visando pagamento em dinheiro real ) . Atividade é exercida em cyber cafés, lan houses e em empreendimentos organizados em micro e pequenas empresas. Costuma receber a designação genérica e mais ampla de goldfarming: produção virtual de bens e serviços destinados a participantes de jogos online.
Numa versão mais restrita, livre e tropicalizada, caberia a expressão garimpo virtual, com o significado de procura e captura de peças preciosas ( gold) virtuais para troca por dinheiro real. Nela o jogador se divertiria jogando, e acumularia recursos virtuais, que lhe permitiriam renda extra, mediante sua troca por dinheiro real. Em pouco tempo- cerca de duas décadas- essa atividade transformou- se de lazer em fonte de renda e emprego.
Esse jogador /trabalhador também atuaria auxiliando outros jogadores, dentro do jogo online, mediante remuneração virtual, conversível posteriormente em moeda real.
Na cadeia de valor da gold farm encontra-se, ainda, entre outros integrantes, a figura do distribuidor, o broker.O intermediário entre o vendedor e o comprador do bem virtual. Como se vê, uma gold farm seria uma espécie de mini Serra Pelada...de ouro virtual.
Segundo estudos disponíveis, teria movimentado, no último ano, cerca de 33 bilhões de dólares. Além disso, mobiliza aproximadamente 50 milhões de jogadores on line mundo afora. De qualquer modo, as cifras parecem expressivas, visto o curto espaço de tempo desde o início da sua disseminação. Diversos fatores contribuíram para o seu desenvolvimento, com destaque para a expansão da banda larga, o aumento das transações baseadas na Internet, a popularização do uso dos cartões de crédito e a difusão dos serviços do tipo PayPal.Esse último teria funcionado como uma espécie de cartão pré-pago, útil para entrada e participação nos jogos on line. Além de representar valiosa e prática moeda de troca para aquisição de dispositivos e a contratação de pequenos serviços, dentro do jogo, visando a realização de tarefas virtuais. Constitui, juntamente com o cartão de crédito, importante porta de conexão com o dinheiro real.
Tudo isso impulsionado pela terceirização da atividade do jogador on line. Inicialmente esse movimento se dirigiu dos Estados Unidos em direção ao México. Fixando-se, em seguida, na Ásia, e tendo na Coréia e Japão grandes contratantes, junto com os paises industrializados. Uma distribuição internacional do trabalho em jogos on line estava em marcha. As tarefas repetitivas, desgastantes eram contratadas além fronteiras. Onde houvesse mão-de- obra barata, disponível, interessada e capaz de adquirir créditos, bônus e executar tarefas monótonas, repetitivas, desagradáveis. O jogador endinheirado e apressado pagava por isso em moeda virtual ( gold) conversível em moeda real através do PayPal, por exemplo. O jogo mais popular no gênero é o World of Warcraft, da americana Blizzard Entertainment.
A China, conhecida como fábrica do mundo, destacou-se até aqui também como a maior empregadora de garimpeiros virtuais da economia do jogo. Os seus trabalhadores/jogadores em atividade já somam cerca de 400 mil, apenas na economia virtual do jogo on line. Todos mobilizados para absorver as etapas repetitivas e trabalhosas do jogador /contratante, na busca para alcançar pontuação mais graduada, que permita conduzi-lo a um nível superior de dificuldade dentro do jogo, numa curiosa negociação, através de avatares, dentro do espaço virtual.
O noticiário especializado chinês informou que os ganhos obtidos com a aquisição e revenda de moedas virtuais, dentro do jogo, serão taxados, na China, em valores que oscilam de 3% a 20% do resultado ( taxas a serem pagas em moeda real).
Por outro lado, diante das últimas surpreendentes referências - na imprensa global - a assuntos exotéricos tais como pirâmides, subprimes, derivativos, investiment grade, análise de risco, hedge funds, parachute dorée etc, caberia uma suposição: essas referências seriam, na realidade, revelações de atalhos do grande jogo virtual no cassino mercado global.
Game Over!
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