sábado, 1 de abril de 2006

GOVERNANÇA MUNDIAL DA INTERNET


Reunidos em Genebra, em julho de 2003, representantes e autoridades governamentais de 175 países firmaram declaração indicando que a Internet deverá ocupar posição destacada na construção da infra-estrutura da sociedade da informação. Ao mesmo tempo em que registraram as divergências a respeito da adequação das instituições hoje existentes, propuseram a criação de um grupo de trabalho para estudar e apresentar sugestões sobre governança a serem examinadas na segunda etapa da conferência. Em novembro próximo, ocorrerá em Túnis a nova etapa da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, oportunidade da prevista conclusão das negociações sobre a Governança da Internet.
O grupo de trabalho criado pelo secretário-geral da ONU, em atendimento à recomendação da conferência de Genebra, produziu documento (c) que deverá servir de ponto de partida para as negociações. Ao adotar definição prática para governança da Internet, o grupo contribuiu para esclarecer a formidável repercussão das questões em debate: “elaboração e aplicação pelos Estados, pelo setor privado e pela sociedade civil, no âmbito das suas respectivas áreas de ação, de princípios, normas, regras, procedimentos de tomada de decisão e programas comuns destinados a modelar a evolução da utilização da Internet”; tarefa delicada se considerarmos as estimativas que indicam mais de um bilhão de usuários da Internet espalhados pelo planeta.
Além das questões de natureza técnica de elevada complexidade, o tema apresenta desdobramentos políticos de alta relevância. No campo estritamente técnico, situam-se as discussões relativas à infra-estrutura e gestão de recursos como a administração do sistema de domínio e endereço IP (Internet Protocol), assim como a administração dos servidores raízes. A adoção de normas, a homologação e interconexão, as telecomunicações, o multilinguismo e a convergência tecnológica são outros temas integrantes desta pauta de discussao. No terreno mais fortemente político, muito embora as questões técnicas anteriormente citadas não sejam propriamente “neutras”, temos novos problemas decorrentes da grande difusão desse instrumento em escala mundial. Integram esse novo elenco de problemas, o cybercrime, a segurança de redes, o SPAM, entre outros. Propriedade intelectual, comércio internacional, se examinados na perspectiva dos interesses dos países em desenvolvimento, podem exigir reflexões arrojadas. O reconhecimento de que o controle dos arquivos da “zona raíz” exercido, na prática e de forma unilateral, pelo governo dos Estados Unidos, por meio do Departamento de Comércio, é um dos pontos críticos para a construção dos novos modelos. A proposição de alternativas institucionais e políticas buscaria conciliar, segundo o mencionado documento, os seguintes princípios: a) nenhum governo comandaria isoladamente a governança da Internet no plano internacional; b) a nova forma de organização deveria ser multilateral, transparente, democrática com a participação dos Estados Nacionais, do setor privado, da sociedade civil e de organismos internacionais; c) a atividade de governança deveria utilizar os organismos e as instituições intergovernamentais no âmbito de suas respectivas atribuições.
O caráter cada vez mais internacional da Internet passou a exigir a coordenação em escala mundial de instrumentos e políticas públicas, principalmente quando a construção da grande rede deixou de ser uma atividade puramente universitária e se incorporou ao mundo dos negócios com a significativa disseminação do seu uso. A necessidade de articular as legislações de Estados Nacionais sobre, por exemplo, proteção do consumidor passa a ser crítica nas aquisições on line transfronteiras. A busca de certo grau de uniformização no tratamento da propriedade intelectual passa a ser vital para a ampliação da fronteira de negócios. As investigações judiciais sobre delitos cometidos no cyberespaço colocam em evidência os problemas das jurisdições transfronteiras e a necessidade de coordenação das ações. Este é o caso, por exemplo, de infrações cometidas em determinado país, lançando-se mão do emprego de recurso tecnológico localizado em outro território. Por sua vez, o uso indevido ou inadequado de informações pessoais, com agressões à privacidade, tem sua prevenção ou penalização inibida em países onde não haja tradição jurídica nesse campo. É, portanto, desse intrincado contexto que decorrem as seguintes interrogacões: As necessidades técnicas da expansão da Internet comercial se submeterão aos condicionantes da soberania ou determinarão novos paradigmas para adequar/eliminar os condicionantes à sua necessidade de expansão? Quais as conseqüências de um comando unilateral da Internet mundial? Como a Internet poderá evoluir num quadro de desenvolvimento cooperado e sem hegemonias? Quem a controlará? Haveria esta possibilidade?
Os questionamentos anteriormente alinhados, estão presentes e colocados de forma às vêzes explícita ou apenas insinuados nas entrelinhas dos debates. Quatro modelos institucionais estão sugeridos como alternativas para a construção de uma proposta a ser negociada em Túnis. As principais diferenças entre eles residem no papel reservado aos representantes dos Estados Nacionais, ao setor privado e à sociedade civil na estrutura de controle (inclusive na eventualidade de criação/adaptação de novo órgão na estrutura da ONU). A definição do papel e do modelo de gestão do ICANN (sigla em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números) recebeu tratamentos distintos nas diversas propostas, que variaram desde a sua total reformulação até a sua subordinação, passando por modificações, a um novo organismo multilateral. As negociações em curso influirão na natureza e na velocidade da incorporação das Tecnologias de Informação e Comunicação pelos países em desenvolvimento. O risco de agravamento das desigualdades faz-se presente quando os objetivos da expansão da fronteira comercial da Internet são confundidos como sinônimos de inclusão social. Ambos têm seus espaços e suas necessidades próprias. Essas especificidades, portanto, devem ser consideradas na avaliação dos modelos de governança e na coerência das ações de governança mundial a implementar.


Fonte: Arthur Pereira Nunes

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